Ainda na linha das últimas postagens como "Teoria do Multiverso x Destinos Relativo e Absoluto" e "O Problema do Mal e o Livre-Arbítrio", deparei-me com uma matéria que vai além da expectativa de entendimento da questão da salvação. por mais que eu goste do Molinismo, devo dizer que, de fato, há algumas falhas nele. Por se tratar de uma matéria que preza antes pelo que está escrito na Bíblia do que por tentativas de conciliação entre a doutrina da eleição e do livre-arbítrio resolvi compartilhar. Tirem suas próprias conclusões, mas o que está escrito... está escrito.
Para responder essa pergunta, primeiro, precisamos responder outra famosa questão: Deus deseja salvar a todos? Creio que a resposta bíblica é um sonoro “Não!”, pois se Ele quisesse, definitivamente, todos seriam salvos[1] :
Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado (Jó 42:2). Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes? (Dn 4:35). No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada. (Sl 115:3; cf Ef 1:11).
Sabemos que Deus faz tudo que quer e que nada pode impedi-lO de cumprir Seus propósitos. Logo, se o plano dEle para a humanidade fosse levar todos os homens à salvação, Ele assim faria e nada – nem mesmo a escolha dos homens – impediriam Sua vontade. Assim, resumo meu argumento assim:
1. Deus faz tudo o que quer;
2. Nem todos serão salvos;
3. Logo, Deus não quer salvar todos.
2. Nem todos serão salvos;
3. Logo, Deus não quer salvar todos.
Assim, aquele que discordar da afirmativa 3 só terá motivos para isso se considerar ou o ponto 1 e/ou o ponto 2 como errados. No primeiro caso, estamos tratando com alguém que nega a Onipotência de Deus; no segundo estamos tratando com um universalista – e em ambos os casos, temos estamos tratando com um herege.
Alguém pode tentar argumentar que Deus só pode fazer o que é logicamente possível e, com isso, tentar insinuar que Ele não poderia obrigar pessoas a livremente serem salvas. Eu concordo plenamente com esse conceito de onipotência: Deus só pode criar o que é logicamente possível – não existem coisas como um solteiro-casado, um círculo-quadrado ou um triângulo de dois lados; assim, Deus não pode criar essas coisas. Assim sendo, se o homem tem livre-arbítrio, Deus não pode fazer com que eles sejam salvos. Concordo, mas isso só leva a questão um pouco mais “para trás”: Se Deus queria que todos fossem salvos, por que Ele criou um mundo com livre-arbítrio? Se o propósito de Deus é a salvação de todos, ele poderia ter criado os homens literalmente impecáveis – assim como será nos céus. Então, se Deus deu um poder de decisão para o homem, essa é uma grande prova que Ele não desejava que todos fossem salvos. Então:
1. Deus sabia que nem todos seriam salvos se Ele entregasse o livre-arbítrio para o Homem;
2. Deus entregou livre-arbítrio ao Homem;
3. Logo, Deus não quer salvar todos.
2. Deus entregou livre-arbítrio ao Homem;
3. Logo, Deus não quer salvar todos.
Eu não acredito que a premissa 2 seja verdadeira, mas para os que acreditam, cabe a eles negar a primeira premissa para provar que a conclusão (3) está errada. Agora, deixe fazer algumas considerações sobre este tema.
Muitos ficam fortemente escandalizados quando estão frente a declarações como estas. Somos acostumados a pensar que o Plano Áureo de Deus no universo é o benefício do homem. Por exemplo, muitos daqueles que pregam sobre missões fazem um desserviço por motivar as pessoas com uma paixão pelo homem, ao invés de uma paixão por Deus que transborda aos outros. Como diz John Piper: “As missões não representam o alvo fundamental da igreja, a adoração sim. As missões existem porque não há adoração, ela sim é fundamental, pois Deus é essencial e não o homem”[2] .
Não é raro ouvirmos alguns filósofos, ao defenderem que vivemos no melhor mundo possível que Deus poderia criar, atribuírem isso a levar o maior número de pessoas a Cristo. William Lane Craig, em um debate com o famoso ateu Christopher Hitchens, declarou: “O propósito de Deus para a história humana é trazer o número máximo de pessoas, livremente, ao Seu Reino para encontrar salvação e vida eterna”. Essa declaração parece óbvia e inegável, mas a pergunta que faço é: o que a Bíblia diz sobre isso? Qual a resposta bíblica concernente ao propósito-mor de Deus para a humanidade?
Observando toda a Escritura, só posso concordar que a resposta para esse questionamento seria que, como diz John Piper, “o alvo principal de Deus é manter e demonstrar a glória do seu nome”[3], o que também é expresso por Jonathan Edwards: “A grande finalidade das obras de Deus, expressas na Bíblia de modo diverso, é, de fato, apenas uma; e essa finalidade única é mais apropriada e compreensivelmente chamada de A Glória de Deus”[4] . Essas não são apenas opiniões pessoais, mas considerações pautadas numa gama imensa de textos bíblicos[5] , como Isaias 48:
Por amor do meu nome retardarei a minha ira, e por amor do meu louvor me refrearei para contigo, para que te não venha a cortar. Eis que já te purifiquei, mas não como a prata; escolhi-te na fornalha da aflição. Por amor de mim, por amor de mim o farei, porque, como seria profanado o meu nome? E a minha glória não a darei a outrem (v. 9-11).
Essas são palavras fortes: “Por amor do meu nome… por amor do meu louvor… Por amor de mim, por amor de mim… como seria profanado o meu nome? E a minha glória não a darei a outrem”. Se é por amor dEle próprio que Deus age, como podemos pôr os homens como o fim principal das ações do Senhor? Acho que um texto que mostra de um modo claro como o propósito final de Deus não é salvar o maior número de pessoas possível é Mateus 11:
Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! porque, se em Tiro e em Sidom fossem feitos os prodígios que em vós se fizeram, há muito que se teriam arrependido, com saco e com cinza. [...] E tu, Cafarnaum, que te ergues até aos céus, serás abatida até aos infernos; porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje (v. 21,23).
Existe um ensino que, devido ao atual crescimento da filosofia molinista[6] , tem se propagado: se o Evangelho não chegou a um determinado lugar, é porque Deus sabia que aquelas pessoas não creriam na pregação. Creio que essa é uma explicação superficial. No texto citado, Jesus diz que se milagres tivessem ocorridos em Tiro, Sidom e Sodoma, eles teriam se arrependido e o julgamento não teria sido necessário. Deus sabia o que fazer para que eles cressem e Ele não fez. O mesmo acontece com os Fariseus. Veja a explicação de Jesus para o porquê de ele usar parábolas:
E ele disse-lhes: A vós vos é dado saber os mistérios do reino de Deus, mas aos que estão de fora todas estas coisas se dizem por parábolas, para que, vendo, vejam, e não percebam; e, ouvindo, ouçam, e não entendam; para que não se convertam, e lhes sejam perdoados os pecados (Mc 4:11,12).
Creio que não podemos entender isto satisfatoriamente se não tivermos em mente que o propósito final de Deus não é o homem, mas Ele próprio. Deus fará tudo para o louvor de Sua glória (Ef 1:6,12,14) e não para que o homem seja beneficiado. O problema é que nós pensamos que Deus deveria, sim, salvar aqueles homens e muitos outros que existiram no mundo. Como pode Deus deixar que homens pereçam se Ele podia salvar quem Ele bem entender? Isso não seria injusto ou malévolo?
Primeiro, precisamos lembrar que Deus tem toda a sabedoria.
Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém (Rm 11:33-36).
Como podemos questionar ou acusar a Deus? Ele age como acha melhor para Seu Supremo propósito e nós, como seres desconhecedores dos intentos de Deus, não podemos questioná-lo. “Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição?” (Rm 9:19-22).
Segundo, nossos padrões de justiça não podem ser aplicados a Deus. Se nós tivéssemos a oportunidade de salvar alguém da perdição do Inferno e não o fizéssemos, estaríamos cometendo um pecado terrível. Isso é certo. O erro está em tentar aplicar isto a Deus. Sabemos que o Senhor manda que não nos vinguemos, mas Ele vinga-se; Ele manda que não matemos, mas Ele mata; Ele manda que perdoemos todos, mas Ele não fará isso. Isso seria hipocrisia? Logicamente, não. Ele não é um homem nos dando regras que Ele próprio não segue, Ele é um Deus Soberano que não tem nossa mesma natureza e, por isso, vive em padrões que não podemos viver.
Sobre este ponto, precisamos considerar a justiça de Deus em não salvar todos. Muitos consideram que Deus deve salvar os homens e que Ele seria injusto em não fazê-lo. O que nos esquecemos de considerar é que o ser humano é mal e depravado (!), sendo merecedor do inferno. O livro de Provérbios diz claramente que aquele que justifica o ímpio é abominável ao Senhor (17:15), assim, se Deus simplesmente perdoasse os homens, Ele estaria cometendo uma abominação. É unicamente porque a culpa dos filhos dEle foi castigada em Cristo que podemos ser salvos de um modo justo, pois nossos pecados não ficaram impunes. Assim, se Deus escolhe deixar alguém continuar seguindo sua própria vontade (que é a de ir contra Deus, segundo Rm 8:5-8), Ele não está sendo injusto, pois os ímpios irão para onde escolheram ir: para longe de Deus.
Terceiro, Deus quer manifestar Sua glória tanto na salvação quando na condenação dos homens. Paulo explicita isso de um modo que poucos pregadores modernos têm coragem:
“Que diremos pois? que há injustiça da parte de Deus? De maneira nenhuma. Pois diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece. Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra. Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer [...]. E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição?” (Rm 9:14-18,22).
Resumindo: Deus não salva todos porque a salvação dos homens não é Seu propósito final. Sua glória é o propósito final de tudo. Assim, Ele planeja manifestar Sua majestade tanto na salvação quando na condenação. Ele não é injusto em fazer isso porque nossos padrões não são aplicáveis a Ele e os homens merecem ir mesmo para o inferno.
Referências:
[1] Alguns tentam usar I Tm 2:3-4 para defender que Deus quer salvar a todos. O problema aqui é que esses se esquecem de considerar o contexto da argumentação de Paulo, em que ele fala sobre homens de todos os tipos, e não todos os homens. Argumentei mais sobre isto em “Em Defesa da Expiação Eficaz”, que pode ser lido em teologiaevida.com
[2] PIPER, John. Alegrem-se os Povos: A Supremacia de Deus em missões. Editora Mundo Cristão, 2001.
[3] Idem.
[4] EDWARDS, Jonathan. The Dissertation Concerning the End for Which God Created the Worlf, The Works of Jonathan Edwards, vol. 1, organizado por Sereno Dwight (Edinburgo: Banner of Truth Trust), p. 119.
[5] Outros textos que embasam esta consideração são: Ef 1:4-6,12,14; Is 43:6,7,25;49:3; Jr 13:11; Sl 25:11;106:7,8; Rm 1:22,23;3:23,25,26;9:17,22,23;11:36;15:7; Êx 14:4,17,18; Ez 20:14;36:22,23,32; 2 Sm 7:23; 1 Sm 12:20-22; 2 Rs 19:34;20:6; Jo 5:44;7:18;13:31,32;16:14;17:1,24; Mt 5:16; 1 Pe 2:12;4:11; 1 Co 6:20;10:31; Fp 1:9,11; At 12:23; 2 Ts 1:8-10; Hc 2:14 e Ap 21:23.
[6] O Molinismo é a doutrina que afirma que Deus sabe o que qualquer pessoa livremente faria em qualquer situação onde Ele a criasse e, com isso, põe as pessoas em certas situações para influenciá-las até o limite de aquelas pessoas cederem ou não a tal influência.
[2] PIPER, John. Alegrem-se os Povos: A Supremacia de Deus em missões. Editora Mundo Cristão, 2001.
[3] Idem.
[4] EDWARDS, Jonathan. The Dissertation Concerning the End for Which God Created the Worlf, The Works of Jonathan Edwards, vol. 1, organizado por Sereno Dwight (Edinburgo: Banner of Truth Trust), p. 119.
[5] Outros textos que embasam esta consideração são: Ef 1:4-6,12,14; Is 43:6,7,25;49:3; Jr 13:11; Sl 25:11;106:7,8; Rm 1:22,23;3:23,25,26;9:17,22,23;11:36;15:7; Êx 14:4,17,18; Ez 20:14;36:22,23,32; 2 Sm 7:23; 1 Sm 12:20-22; 2 Rs 19:34;20:6; Jo 5:44;7:18;13:31,32;16:14;17:1,24; Mt 5:16; 1 Pe 2:12;4:11; 1 Co 6:20;10:31; Fp 1:9,11; At 12:23; 2 Ts 1:8-10; Hc 2:14 e Ap 21:23.
[6] O Molinismo é a doutrina que afirma que Deus sabe o que qualquer pessoa livremente faria em qualquer situação onde Ele a criasse e, com isso, põe as pessoas em certas situações para influenciá-las até o limite de aquelas pessoas cederem ou não a tal influência.
Por Yago Martins © Voltemos ao Evangelho.
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