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domingo, 10 de novembro de 2013

O Problema do Mal e do Livre-Arbítrio ☑


Antes de dar início à última parte da série "Paradoxos Religiosos", resolvi compartilhar aqui uma dúvida um tanto sombria.

Não me entendam mal, eu creio num livre-arbítrio real e que Deus não pode predestinar ninguém para se perder porque isso seria incompatível com seu caráter. Sei também que a existência do mal não contradiz a existência de Deus, pelo contrário, a confirma. Já abordamos esse tema várias vezes no blog...

Minha dúvida sombria é um problema muito mais profundo que qualquer questão já abordada por aqui. Ele não trata nem da natureza moral do livre-arbítrio nem do bom caráter de Deus, mas de seus motivos em dar livre-arbítrio à sua criação.

Vejam bem o que quero dizer para não entender mal: Deus é (implicitamente) onisciente segundo a bíblia (um exemplo clássico - entre muitos - que embasa essa crença é o Salmo 139), e é plenamente bom (João 3:16; 1 João 4:8, etc), todavia...

Imagine que um ser onisciente crie dois universos: um universo que chamaremos de Universo A e outro, o Universo B.

No Universo A, um Deus onisciente e auto-suficiente (João 5:26 e Salmo 139) cria seres inteligentes, porém autômatos, que O amam porque foram programados para amá-Lo, não dando margem para SURGIMENTO ou EXISTÊNCIA do MAL. 

Como só podemos deduzir a EXISTÊNCIA DE DEUS mas não plenamente seu CARÁTER, o que sabemos dEle depende do que Ele nos revela... E sabendo, também, que Deus omite algumas informações por razões desconhecidas (Deuteronômio 29:29).

...Logo, Ele poderia criar um universo sem o mal e sem livre-arbítrio, em que todos se salvassem e O amassem simplesmente omitindo o livre-arbítrio nesse universo. E isso não feriria o seu CARÁTER nem sua VONTADE, mas demonstraria um amor menor (ou menos passional) pela sua criação.

No Universo B, um Deus onisciente e auto-suficiente (João 5:26 e Salmo 139) cria seres inteligentes e deseja que eles O amem, porém, para que esse "amor" seja "legítimo" é preciso que haja a possibilidade de que essas pessoas o rejeitem, então Deus cria condições para que sua criação possa tanto aceitá-Lo como rejeitá-Lo, permitindo todas as condições propícias para o surgimento de algo que Ele NÃO DESEJA: O MAL. Mas como há uma margem lógica nisso (Como saber se há bem sem o mal? Como conhecer a luz sem as trevas? Como dar valor sem conhecer a ausência?), temos um Universo B: uma criação muito estranha, porém coerente.

Como só podemos deduzir a EXISTÊNCIA DE DEUS, mas não seu plenamente Seu CARÁTER, e o que sabemos dEle depende do que Ele nos revela... E sabendo, também, que Deus omite algumas informações por razões desconhecidas (Deuteronômio 29:29).

...Logo, Deus cria um universo desejando o livre-arbítrio e, por tabela, torna a existência do mal obrigatória! Ou, porque não dizer, NECESSÁRIA... e não nos dá motivo ou explicação para isso; todavia isso não fere seu CARÁTER nem seu amor (passional) pela sua criação.

Pela lógica, se assim for, temos que admitir que:

a) Ou isso fere a vontade de Deus em um nível menor e a confirma a nível maior, tornado nossa existência e as próprias ações de Deus num baita de um paradoxo: criar o que deseja permitindo o que não deseja;

b) Ou Deus DESEJOU a existência do mal - o que seria contraditório ao caráter dEle (razão pela qual o paradoxo deve ser a resposta verdadeira).


Há que se lembrar de um outro paradoxo em filosofia, mais especificamente em metafísica, que, mesmo sendo um mero exercício de lógica, traz dois conceitos complexos conflitantes e nos força a compará-los: o paradoxo do "objeto imovível" (ou inamovível) contra a "força irresistível" que lembram, em certo sentido a fé cristã. O paradoxo diz o seguinte:

O que aconteceria se uma força irresistível encontrasse um objeto imovível? 

As respostas comuns a este paradoxo são: 

1 - Se é que existe tal coisa como uma força irresistível, a princípio, parece que então não pode haver nenhum objeto imovível, e vice-versa. Soa, a princípio, logicamente impossível a existência desses objetos (uma força irresistível e um objeto imóvel) no mesmo universo, ao mesmo tempo. 

2 - Se é que existe tal coisa como uma força irresistível, então o conjunto semântico "objeto imovível" não teria sentido neste contexto, e vice-versa, de modo que a frase seria algo como, por exemplo, proferir a frase: "O triângulo que desenhei tem quatro lados". 
Este paradoxo é semelhante ao paradoxo onipotência divina, que pergunta se "Deus poderia criar uma pedra tão grande que nem mesmo ele poderia levantar"? 

O paradoxo deve ser entendido como um exercício de lógica, não como a postulação de uma realidade. De acordo com as crenças científicas modernas não pode haver forças irresistíveis e objetos imovíveis. Um objeto imóvel deve ter uma inércia infinita, para tanto teria de ter massa infinita. Mas tal objeto entraria em colapso sob sua própria gravidade e criaria uma singularidade. Uma força irresistível implicaria energia infinita que, de acordo com a equação de Albert Einstein E=mc² também implicam uma massa infinita. Note-se que, de um ponto de vista moderno, um canhão cujos disparos não podem ser absorvidos e uma parede que não pode ser perfurada são tipos de objetos impossíveis. 

Um exemplo desse paradoxo fora da cultura ocidental pode ser visto na origem da palavra chinesa para paradoxo, que literalmente quer dizer "lança-escudo". A palavra vem de uma história em que um vendedor estava tentando vender uma lança e um escudo ao mesmo tempo. Quando perguntado sobre o quão boa era sua lança, o vendedor diz que ela poderia penetrar qualquer escudo e quando perguntado o quão bom era seu escudo o vendedor diz que ele poderia parar qualquer ataque lançado. Então, alguém perguntou o que aconteceria se você jogasse sua lança contra seu escudo. O vendedor não soube responder, o que levou ao surgimento da palavra chinesa equivalente ao nosso "paradoxo". 

Outra abordagem para esse paradoxo é simplesmente dizer que ambos os objetos (lança-escudo) vão continuar a existir, uma vez que, por definição, uma força irresistível é um objeto imóvel.

Como cristão, eu não pude deixar de associar o "objeto imovível" a Deus, mas a "força irresistível" foi algo que associei imediatamente ao mal por conta de ser o fenômeno mais universal que conheço (em diferentes graus).

O que questiono sobre o que vimos do Universo A em relação ao Universo B é o seguinte:

1) Se Deus é amor, mas também é auto-suficiente, por que Ele desejaria ser amado por nós já que Ele se basta? Afinal, qualquer demonstração de amor não seria suficiente? Analise comigo: apenas o fato de criar seres inteligentes já seria razão suficiente para que esses seres fossem gratos a Ele e o amassem, pois não existe bem algum na inexistência!(?)

2) Para Deus, como ser onisciente, que diferença faria entre:

a) criar seres inteligentes autômatos programados para amá-Lo e que não têm livre-arbítrio, caracterizando um mundo de perfeito bem e harmonia, sem a necessidade do conhecimento do mal (porque estes seres NÃO PRECISARIAM de livre-arbítrio) e

b) criar seres inteligentes para crer nEle e amá-Lo, todavia SABENDO que boa parte desses seres fará coisas que Ele abomina e só uma outra parte o amará?

O problema de não sabermos (ou de eu não saber) a resposta para essa indagação é que DEUS SABE o que faremos de qualquer modo, em qualquer dos dois universos possíveis, e por isso nenhum dos dois universos é muito melhor que o outro. Sendo mais claro: a pré-ciência de Deus não deveria nos igualar a autômatos diante dEle tanto no Universo A quanto no Universo B? Afinal, qual o critério lógico para escolher entre duas alternativas iguais ou equivalentes? Como numa das variantes do dilema do Asno de Buridan em que o asno tem que decidir diante de dois montes de feno igualmente atraentes (e acaba morrendo de fome!).

c) Qual a diferença entre nossa salvação e perdição eternas dependerem de nosso livre-arbítrio ou não? É como jogar um jogo com um jogador onisciente. Ou melhor: Como jogar com um jogador onisciente?

Matutando sobre isso e sabendo que nossa existência não é necessária e que o Universo B (em que DEUS demonstra mais amor), não parece melhor que o Universo A (em que não cria o mal), e que, da perspectiva divina, nada que alguém faça pode surpreender a Deus graças à Sua onisciência: o livre-arbítrio do universo B parece equivalente ao automatismo do Universo A e ambos são tanto compatíveis quanto possíveis para Deus!

Qualquer semelhança da matéria com a saga de Fringe é mera coincidência!

Levando em conta que "Deus é amor" e que o amor de Deus é aquele descrito em 1 Coríntios 13, a resposta que os filósofos e teólogos cristãos mais apontam é que DEVE HAVER algum MOTIVO DESCONHECIDO que justifique o UNIVERSO B como SUPERIOR AO UNIVERSO A.

Todavia, da perspectiva humana (pelo menos da minha), o "Universo A" PARECE MELHOR, mais desejável, e até mais lógico que o "Universo B" (por não incorrer em paradoxo). O universo B é contra-intuitivo!


A pergunta que não quer calar é: Por que vivemos no Universo B e não no Universo A?

2 comentários:

  1. Bom,acho que fossemos do universo A, Deus nem precisaria ter nos criado. O maravilhoso está em sermos diferentes,fazermos o que queremos e aprender com os outros e com a Bíblia.
    Sobre aquela pergunta que você fez do por que Deus querer ser amado se auto-suficiente? Creio que ama-lo seja algo que nos tornará pessoas melhores e não que Ele precise, mas sim algo que nis precisamos.
    Gente essa postagem é de 2013? Kkkkk
    Fui ver so agora
    O blog existe ainda?

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  2. Ainda existimos. Alguns projetos novos estão aparecendo aos poucos. Aguarde!

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