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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Diferenças Entre Falácias e Paradoxos ☑

Já admitimos que verdade é o que existe. Perceber é saber que eu existo. Indo mais adiante, perceber que percebe é pensar. É aqui que começamos a diferenciar o grau humano de raciocínio comparado ao dos animais; além de que, essas noções são igualmente necessárias para construirmos quaisquer ideias a respeito de como funcionam nossos pensamentos.
A parte estranha de usar nosso pensamento pra entender verdades é que também é possível pensar em coisas que NÃO EXISTEM. Se você nunca parou pra pensar como isso é possível… bem, você deveria! Mais especificamente, como posso imaginar algo impossível como um cachorro falante, viagens no tempo, viajar de uma lado do mundo ao outro usando apenas o pensamento, etc. ou mesmo, como  é possível imaginar uma coisa ainda não criada e depois inventá-la? 
Vou colocar em termos mais simples: o que é uma mentira? 
Se estamos usando a Lei do Terceiro Excluído, o oposto de verdade é a mentira, e verdade é o que existe; então mentira é, propriamente, algo que não é real. O termo que usamos em lógica para mentira é falácia ou sofisma. 
Com paradoxos, a questão se torna mais espinhosa. Paradoxos são estruturas de raciocínio que estão perfeitas mas costumam levar a resultados absurdos como: 
a) "Eu sou um mentiroso". Ora, pra ser mentiroso eu deveria mentir. E ao dizer verdadeiramente que minto, falo a verdade. Mas se falo a verdade, não posso ser mentiroso! Nesse exemplo a confusão tem mais a ver com linguagem vaga já que o que se quis dizer realmente foi: "Minto mais vezes do que falo a verdade", até porque é impossível mentir o tempo todo (justamente porque isso tornaria a comunicação impossível). 
b) Mulheres dizem que querem ser bem tratadas. E eu trato bem minha namorada. Mas depois ela me troca por outro cara que tem o hábito de esnobá-la. Aqui o paradoxo é uma situação, pois de fato, isso EXISTE. No entanto, existir não garante que isso faça sentido.
Do mesmo modo como há tipos de verdade, há também diferentes tipos de paradoxos e de falácias. Vamos começar com os meus favoritos...

1. PARADOXOS


Paradoxos são os raciocínios corretos que, por acaso, levam a:

a) Conclusões contraditórias.
Ex.: “Paradoxo do queijo suíço”
Quanto mais queijo, mais buracos.
Quanto mais buracos menos queijo.
Logo: Quanto mais queijo, menos queijo.

b) Becos sem saída (aporia): Não se pode saber se a afirmação é verdadeira ou falsa.
Ex.: O poeta cretense Epimênides afirmava que "todos os cretenses são mentirosos". Mas Epimênides era cretense! Será que podemos saber se esta afirmação é verdadeira?

c) Duas leis ou argumentos válidos que se contradizem (antinomia).
Ex.: Os cristãos devem guardar o sábado porque está na Bíblia e faz parte da lei de Deus. Porém, a Bíblia ensina que não devemos impôr a guarda do sábado a ninguém em Colossenses 2:16. Afinal, deve-se ou não guardar o sábado?

A palavra paradoxo significa literalmente o que está para além do senso comum. Em certo sentido, um paradoxo é um absurdo. Mas e daí? Nem tudo na vida precisa fazer sentido. O perigo real está no nosso próximo tópico...

***

2. FALÁCIAS:

  1. Falácia é um raciocínio errado com aparência de verdadeiro. O termo falácia deriva do verbo latino fallere que significa enganar. As falácias que são cometidas involuntariamente, chamam-se paralogismos (erro de raciocínio); as que são produzidas de forma a confundir e enganar alguém se chamam sofismas
  2. Existem muitos tipos de falácias, não havendo consenso quanto à sua classificação. Para efeitos de nosso estudo vamos classificá-las em dois grandes tipos:

a) as falácias formais, constituídas por raciocínios inválidos de natureza dedutiva.
b) as falácias informais, que compreendem os restantes.

Uma mentira pode te custar um emprego, um relacionamento e, em alguns casos, sua vida. Nada mais justo que estudarmos a mentira com a finalidade de identificá-las e nos livrarmos delas. Claro que ao ensinar tal coisa corre-se o risco de que o aprendiz se torne um hábil mentiroso, mas vamos esclarecer porque vale à pena o risco quando falarmos sobre inteligência.
Por hora, importa saber quais os tipos de mentiras contadas. Lembrando que:
a) Mentira=inexistência. A mentira propriamente é um não-x (não-existente), mesmo que seja possível dizê-las.
b) Algumas falácias não são mentiras propriamente ditas, mas induções ao erro.


2.1 Falácias Formais


1. Falácia da afirmação do conseqüente: As premissas podem ser verdadeiras, mas a conclusão é falsa por ser abusivamente inferida, ignorando-se as outras alternativas. Ex.:
Se as estradas têm gelo, o correio está atrasado.
O correio está atrasado.
Logo, as estradas têm gelo.

2. Falácia da negação do antecedente. Ex.:
Se as estradas têm gelo, o correio está atrasado.
As estradas não tem gelo.
Logo, o correio não está atrasado.

3. Falácia de Conversão: Não respeita as leis da oposição (vide quadrado de oposições no capítulo a seguir). Ex.:
O mendigo pede.
Logo, quem pede é mendigo.

4. Falácia de Oposição: Não respeita as leis da oposição (vide quadrado de oposições no capítulo a seguir). Ex.:
É falso que todo o homem é sábio.
Nenhum homem é sábio.

2.2 Falácias Informais

Falácias informais são falácias cujas premissas:

a) Não são relevantes para a conclusão;
b) Não fornecem dados suficientes para garantir a conclusão;
c) Estão formuladas com linguagem ambígua.

A capacidade persuasiva destes argumentos reside frequentemente no seu impacto psicológico sobre o auditório. Seguem seus tipos:

5. Apelo à Piedade (Argumentum ad Misericordiam): Faz-se apelo à misericórdia do auditório de forma a que a conclusão seja aceita. Exemplos:
a) Sr. Juiz não me prenda porque, se o fizer, meus filhos ficarão desamparados! Não posso ser culpado!
b) Não torne o seu filho infeliz, compre para ele um celular top de linha!

6. Apelo à Ignorância (Argumentum ad Ignorantiam): Premissa baseada na insuficiência de evidências para sustentar ou negar uma dada conclusão. Exemplos:
a) Ninguém provou que Deus existe. Logo, Deus não existe.
b) Ninguém provou que Deus não existe. Logo, Deus existe.

7. Apelo à Força (Argumentum ad Baculum):  Consiste em fazer pressão psicológica sobre o auditório. Os argumentos são substituídos por ameaças. Exemplos:
a) As minhas ideias são verdadeiras, quem não as seguir será castigado!
b) Ou te calas ou não de dou dinheiro para ir ao cinema!
c) A força faz a lei.

8. Apelo à Autoridade (Argumentum ad Verecundiam): Quando tentam te convencer usando a autoridade e prestígio de alguém para sustentar uma dada conclusão.
Ex.: Einstein, o maior gênio de todos o tempos, gostava batatas fritas. Logo,  batatas fritas são o melhor alimento do mundo.

9. Ataque Pessoal (Argumentum ad hominem): Coloca-se em causa a credibilidade do oponente, através de ataques pessoais, de forma a desvalorizar a importância de seus argumentos.
Ex.: Esta mulher afirma que foi roubada! Mas que confiança pode merecer alguém que deixou o marido?

10. Apelo ao Povo (Argumentum ad populum): Apela-se à emoção ou preconceitos das pessoas, não à sua razão. Exemplos:
a) Querem uma escola melhor? Querem um melhor ensino? Votem no meu candidato.
b) Claro que esse cara é trombadinha, mora na favela!

11. Argumento do Terror (Argumentum ad terrorem): Evocam-se as consequências negativas que podem resultar da não admissão de determinada tese ou ideia.
Ex.: Ou nós ou o caos! A escolha é vossa.

12. Falácia da Bola de Neve (Argumentum ad consequentian): Exagera-se nas consequências (reais ou não) de um ocorrido.
Ex:. Se seu namorado brigou com você hoje é porque não te ama, está te traindo e quer te largar.

13. Falácia de ignorância da causa: A conclusão é extraída de uma sucessão de acontecimentos. Um fato circunstancial é tomado como causa principal. Exemplos:
a) Depois do cometa houve uma epidemia; logo, os cometas causam epidemias.
b) O dinheiro desapareceu do cofre depois do João ter saído da loja. Logo...
c) O trovão ocorreu depois do relâmpago. Logo, o relâmpago é a causa do trovão.

14. Falácia do Ônus da Prova. Exemplo:

Alguém diz: -Deus existe.
Um ateu replica: -Não acredito nisso.
A pessoa responde: -Então prove que Deus não existe!

Obs.: O mesmo raciocínio é também usado pelos ateus, mas ao contrário.

15. Falso Dilema: Apenas são apresentadas poucas alternativas, sendo omitidas as possibilidades restantes.
Ex.: O Joaquim é genial ou idiota. Como não se revelou genial, é pois idiota.

16. Perguntas capciosas: A pergunta funciona como uma armadilha para quem responde. Qualquer resposta do tipo sim ou não, prejudica o sujeito. Exemplos:

a) Já parou de roubar na escola?
b) Vocês ganharam fazendo batota ou subornando o árbitro?
c) Continuas tão egoísta como eras?

17. Múltiplas perguntas: Consiste em confundir o adversário com várias perguntas de modo a que não seja possível uma única resposta, ou levando-o a contradizer-se. Qualquer debate político, religioso ou sexual na TV serve como exemplo disso.

18. Petição de Princípio (Petitio Principii): Considera-se como provado algo que se pretende provar partindo de uma premissa que é a própria conclusão. Exemplos:

a) Toda a gente sabe que os pastores são corruptos. Por isso não faz sentido tentar provar o contrário.
b) O Alcorão é indiscutível porque é a palavra de deus.

18.1. Raciocínio Circular
a) Por que o benzodiazepínico faz dormir? Porque é sonífero!
b) O que é a História? Uma ciência que estuda fatos históricos.

19. Ignorância da Questão: A questão em discussão é ignorada, concentrando-se em detalhes irrelevantes.
Exemplo: Ao longo dos tempos têm sido cometidas inúmeras injustiças. Muitos inocentes têm sido condenados. E este réu é um rapaz simpático, trabalhador e estimado por todos.

20. Falácia do Espantalho: Consiste em atribuir a outra pessoa uma opinião que ela não tem (ou deturpar o que ela disse) de modo que seja mal entendido pelos outros. Ex.: Você é cristão, portanto é homofóbico.

21. Enumeração Incompleta: Atribui-se ao todo aquilo que só está provado em alguns casos particulares. Exemplos:
a) Este aquela laranja são amargas. Logo, todas as laranjas são amargas.
b) Aqueles homens ali não prestam. Logo, nenhum homem presta.

22. Falsa Analogia: Tirar conclusões de um caso para outro semelhante, sem ter em conta as suas diferenças. Ex.: As aves voam. Os morcegos voam. Logo, os morcegos são aves.

23. Falácia de premissas falsas: Premissas ambíguas levam a confusões, neste caso entre gênero e espécie. Exemplo: Os animais são irracionais; o ser humano é um animal; logo, o ser humano é irracional.

24. Falácia do Não Consequente (Non Sequitur): A conclusão não é justificada pelas premissas. Exemplos:
a) Demorei bastante lendo o assunto para a prova; logo devia ter obtido uma boa nota.
b) Fulano trabalhou com Einstein, logo fulano é um cientista.

25. Falácia do acidente: Confunde-se o essencial com o acidental e vice-versa. Exemplo: Estudar na véspera do teste não dá resultado. Portanto, todo o estudo é inútil.

26. Falácia da definição.
Exemplo: "Aborto não é assassinato porque o feto não tem identidade civil".
Esta definição prepara o interlocutor (quem ouve) para admitir que o aborto não é um meio de matar na medida que define como humano apenas alguém que tenha documento de identidade civil (Certidão de nascimento, RG, CPF, NIS, NIT, etc).

27. Falácias verbais: Estas e outras falácias do mesmo tipo são resultantes do uso ambíguo das palavras. Exemplos:

a) É estúpido perder tempo com palavras. A guerra é uma palavra. Logo, é estúpido perder tempo quaisquer guerra.
b) O touro muge. Touro é o nome de uma constelação. Uma constelação muge.
c) Os pés têm unhas. A cadeira tem pés. Logo, A cadeira tem unhas. 


3. Como evitar as confusões originadas pelas falácias?


  1. Prestar maior atenção à linguagem evitando utilizar termos ambíguos (de duplo sentido) e esclarecer o sentido exato dos conceitos usados numa discussão.
  2. Prestar atenção à possível falsidade ou indução ao erro nas premissas.
  3. Respeitar as regras de inferência lógica.

Referências:

¹O texto sobre falácias foi adaptado a partir do original de Carlos Fontes, disponível em: http://afilosofia.no.sapo.pt/11.falacia.htm.
³O tópico sobre paradoxos é da autoria de Jean de Oliveira, psicólogo, CRP-03/9178.


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